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Assunto: Barreiras comerciais na comercialização da produção animal

1. Contextualização
As relações diplomáticas entre países desempenham um papel crucial na cooperação e as negociações geram acordos comerciais que melhoram o fluxo internacional de produtos. Essas interações se traduzem, muitas vezes, em acordos bilaterais ou multilaterais que promovem a pluralidade e estabilidade nas trocas comerciais.
A busca por parcerias estratégicas permite que países produtores de commodities agropecuárias melhorem seu acesso a mercados internacionais, diversificando seus compradores e reduzindo a dependência de mercados específicos, e tais negociações seguem o regramento estabelecido pela Organização Mundial de Comércio – OMC.
Entretanto, a internacionalização do comércio agropecuário também levanta preocupações relacionadas a defesa comercial, especialmente no tocante às condições econômicas e regulamentares no ambiente de produção. Essas preocupações podem se manifestar na forma de barreiras comerciais, conceituadas como qualquer lei, regulamento, política ou prática estabelecidos por um país para controlar, dificultar ou impedir a entrada de produtos de outros países em seu território.
Preocupações quanto à sanidade dos rebanhos e culturas agrícolas, além da segurança alimentar para a população doméstica, também são traduzidas no ambiente comercial, com a adoção de medidas sanitárias que visam garantir a inocuidade e qualidade dos alimentos importados. Quando não tecnicamente justificadas, essas medidas podem se tornar barreiras sanitárias, que podem implicar no impedimento das importações de produtos.
De maneira geral, a aplicação de barreiras visa defender os mercados internos, favorecendo produtores domésticos ao reduzir a concorrência e protegendo os consumidores contra produtos de padrões de qualidade divergentes aos internos.
As barreiras comerciais podem ser classificadas como tarifárias ou não tarifárias, com a primeira de natureza pecuniária, caracterizada pela incidência de taxas e tarifas sobre os produtos. A segunda está relacionada à documentações, exigências regulatórias e/ou sanitárias que deverão ser seguidas pelos exportadores.
A presente nota técnica visa esclarecer questões relacionadas à abertura de mercados, aos diferentes tipos de barreiras e a atuação da CNA para contorná-las.
2. Barreiras não tarifárias.
Compreendem aquelas que não culminam na aplicação de impostos, tarifas, cotas ou taxas, mas que limitam de alguma forma o fluxo comercial entre os países. Esse tipo de barreira ocorre quando medidas de conformidade técnica, sanitária, regulamentar são aplicadas de maneira injustificada e limitam a quantidade de produtos importados e/ou exportados. A seguir são tratadas as principais barreiras não tarifárias que afetam a agropecuária brasileira.
2.1 Barreiras sanitárias e fitossanitárias:
Medidas sanitárias e fitossanitárias são instrumentos utilizados por países para proteger a saúde pública, animal e vegetal, evitando a entrada de produtos que possam introduzir pragas, doenças ou contaminantes nas nações de destino. Incluindo regulamentações e inspeções que precisam ser atendidas pelos produtos importados, as medidas transformam-se em barreiras quando aplicadas de maneira indiscriminada e/ou sem embasamento técnico ou científico. Apesar do pretexto sanitário, tais barreiras são comumente utilizadas como mecanismos de proteção ao mercado interno de países importadores.
No caso da carne bovina, países como o Japão e a Coreia do Sulsó compram de países reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde Animal – OMSA como livre de febre aftosa, sem vacinação. Contudo, remuneram melhor em relação a outros importadores.
Para ampliar os mercados para a carne bovina brasileira, a CNA tem atuado por meio da Equipe Gestora Nacional do Plano Estratégico do Programa Nacional de Vigilância para Febre Aftosa (PNEFA) 2017-2026. Os esforços se mostraram frutíferos e o país deve ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal como livre de febre aftosa sem vacinação em maio de 2025.
Com relação ao leite e derivados, a União Europeia, por exemplo, exige que produtos lácteos sejam importados apenas de zonas livres de brucelose e tuberculose, sendo a menor unidade territorial aceita uma Unidade da Federação. Essa exigência sanitária elimina os benefícios do acordo entre Mercosul e União Europeia para o setor leiteiro brasileiro, e exemplifica a conversão de uma medida sanitária em barreira. A restrição não se justifica do ponto de vista técnico, haja visto que o processamento industrial de leite elimina qualquer possibilidade de contaminação de alimentos por essas enfermidades.
O Sistema CNA vem atuando para contornar esse entrave, e irá pautar a revisão dessa exigência quando da revisão técnica dos termos do Acordo. Além de sugerir medidas para maior efetividade do Programa Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose ao Mapa.
Como exemplo de barreira sanitária aplicada pelo Brasil nas importações de produtos agropecuários, destacamos as medidas voltadas à aquicultura. Como nunca foram registrados casos de Tilápia Lake Vírus (TiLV), para tilapicultura, e de hepatopancreatite necrosante (AHPND), para carcinicultura, as importações estão condicionadas à realização de exames.
Nas Filipinas e Estados Unidos, países onde a OMSA reconhece a presença de TiLV, os reprodutores de tilápias somente poderão ser importados e introduzidos no Brasil após apresentarem testes negativos na origem e no destino, além de permanecer em quarentenários cadastrados junto ao Mapa, com vistas a cumprir os acordos internacionais.
Para manutenção do status sanitário brasileiro, a CNA pleiteou junto ao Mapa a elaboração de um Plano de Contingência de Doenças Exóticas, com vistas a preparar as autoridades sanitárias para a identificação, contenção, prevenção e erradicação de doenças exóticas caso ocorram em território nacional.
2.1.1. Outros requisitos para acesso a mercados
Os mercados agropecuários requerem negociações de protocolos sanitários para garantir a equivalência sanitária dos processos de produção, essenciais para a exportação e para evitar a entrada de pragas e doenças. Essas garantias são fundamentais para a segurança dos produtos no mercado interno e externo.
Sensíveis a questões de inspeção sanitária, as nações realizam avaliações bilaterais das autoridades competentes, exigindo comprovações dos mecanismos de controle sanitário. O cumprimento de normas técnicas específicas, reconhecidas internacionalmente, é crucial para a confiança nas negociações.
Os Certificados Sanitários Internacionais, que atestem a conformidade dos produtos agropecuários com as normas do país importador são resultantes dessas negociações. Esses certificados promovem segurança alimentar e credibilidade entre os países, fortalecendo a posição do Brasil no comércio internacional.
A CNA tem desempenhado um papel ativo nas negociações de acordos comerciais, por meio de uma atuação estratégica baseada no diálogo com autoridades, missões institucionais e embasamento técnico, em estreita colaboração com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Elaborando notas técnicas para subsidiar parlamentares em debates sobre acordos como Mercosul-União Europeia, Mercosul-Singapura e a ampliação do ACE 53 com o México, busca-se garantir que as negociações atendam aos interesses do setor.
Além disso, mantém um relacionamento próximo com o Executivo, participando de reuniões com os Ministérios da Agricultura e das Relações Exteriores, contribuindo com estudos e posicionamentos técnicos para fortalecer a inserção do agro brasileiro no comércio global.
A CNA também realiza missões institucionais a mercados estratégicos, promovendo a imagem do agro brasileiro, fortalecendo relações bilaterais e identificando oportunidades para ampliar exportações. Essas ações são complementadas por articulações junto a embaixadas, organizações internacionais e interlocutores do setor privado, garantindo que as demandas do produtor rural brasileiro sejam representadas de forma consistente nos fóruns de negociação.
2.2 Barreiras técnicas
Existem também outros tipos de barreiras não tarifárias, como regulamentos técnicos específicos, padrões privados ou normas voluntárias, serviços, subsídios, propriedade intelectual, entre outras. Como exemplo de barreiras técnicas atuais, podemos destacar a European Union Deflorestation Regulation – EUDR, ou Lei antidesmatamento europeia.
A EUDR estabelece a proibição da importação de produtos agropecuários (soja, borracha, madeira, café, óleo de palma, cacau e carne bovina) a partir de países que desmataram legalmente ou ilegalmente depois de 31 de dezembro de 2020. A medida implica em importante restrição comercial, penalizando países nos quais a preservação ambiental está presente, com conservação de vegetação nativa, e a CNA vem atuando para reverter esse cenário.
A CNA realizou duas missões à União Europeia para apresentar os mecanismos de comando e controle aplicados pela legislação brasileira, demonstrando de forma inequívoca que o país detém o regramento ambiental mais rigoroso do mundo. Foi também conduzida uma coalizão no âmbito da Federação das Associações Rurais do Mercosul - FARM e no Grupo de Cairns, na qual foram produzidos documentos de posicionamento quanto à EUDR e propostas medidas alternativas para preservação ambiental, além da mitigação dos impactos da EUDR.
A CNA também pautou a criação do Projeto de Lei nº 2.088/2023, de autoria do Senador Zequinha Marinho e sob relatoria da Senadora Tereza Cristina. Conhecido como PL da Reciprocidade", o projeto estabelece critérios para a suspensão de concessões comerciais, investimentos e obrigações relacionadas a direitos de propriedade intelectual, em resposta a medidas unilaterais adotadas por países ou blocos econômicos que afetem a competitividade internacional dos bens e produtos brasileiros.
3. Barreiras tarifárias
Barreiras tarifárias são aquelas que restringem ou distorcem o comércio por meio de impostos, tarifas ou cotas tarifárias, aplicáveis na importação ou na exportação de mercadorias. De maneira geral, representam formas de onerar o produto que está ingressando naquele país e, invariavelmente, culminam na redução da competitividade do bem importado ante o nacional.
Podem ser classificadas em tarifas específicas, a qual incidem sobre a unidade do produto ($/unidade de medida, kg ou tonelada); ad valorem, que representa um percentual sobre o valor de importação do produto; ou combinada, que representa além da tarifa por unidade, também um percentual sobre seu valor.
Se enquadram também nessa categoria as cotas tarifárias de importação e/ou exportação, que representam limitação quantitativa aos produtos que poderão gozar de redução das tarifas a serem aplicadas nas operações comerciais, ou até mesmo no impedimento da importação de volumes extra cota.
As cotas limitam a quantidade total permitida por um país em determinado período. Quando os volumes são atingidos, não é mais possível importar ou exportar volumes adicionais. Embora não represente custos diretos, acabam por limitar o fluxo comercial entre os países.
No caso da carne bovina, o Brasil possui uma cota de exportação de 65 mil toneladas de carne bovina in natura aos Estados Unidos, sem cobrança de imposto pelos norte-americanos. Acima desse patamar, é cobrada uma tarifa de 26,4%. A Indonésia, por sua vez, impõe uma cota de 20 mil toneladas para o produto brasileiro, não sendo permitidos volumes adicionais, e a tarifa incidente é de 5% sobre o valor das importações.
A CNA atua junto ao Mapa e a indústria na busca da ampliação de cotas de exportação para os produtos agropecuários, visando a expansão dos embarques, de forma direta com os países ou blocos, como no caso do acordo Mercosul x União Europeia.
4. Outras medidas
Um exemplo de medida que não se enquadra nas categorias anteriores seria a Cota Hilton, “barreira” técnica aplicada ao Brasil pela União Europeia, cujas exigências de rastreabilidade individual dos bovinos consideram também idade e acabamento de carcaças, representando barreiras técnicas e/ou padrões privados ou normas voluntárias. As aspas foram utilizadas uma vez que não se trata de um impedimento em si, mas da limitação de um mecanismo de premiação para produtos de qualidade diferenciados. O Brasil dispõe de uma cota de 10 mil toneladas para carne bovina desossada, volume para o qual a tarifa de importação representa 10,24%. Caso ultrapassada, a tarifa sobre o volume adicional será de 20%.
5. Práticas desleais de comércio e medidas de defesa comercial
Ao definir o regramento para o comércio internacional, a OMC visa manter as negociações transparentes e livres de distorções, prevendo inclusive a incidência de práticas desleais de comércio. Algumas delas acabam por travestir a competitividade dos bens de artificialidades, que podem prejudicar a produção interna dos países importadores.
São exemplos dessas más práticas a exportação de produtos a preços abaixo dos praticados no mercado interno do país em questão, o chamado dumping, ou a concessão de subsídios diretos à produção, que visam incentivar a produção do produto como estratégia de redução na importação.
A OMC prevê mecanismos de arbitragem para combater essas práticas desleais, porém uma das instâncias - Órgão de Apelação do Mecanismo de Solução de Controvérsias - está inoperante desde 2019 devido à recusa dos EUA em apontar novos juízes após o fim do período estabelecido para o mandato dos árbitros vigentes.
De modo a garantir a execução de direitos retaliatórios em casos onde há práticas desleais de comércio, a CNA apoiou a criação da Lei nº 14.353/2022, que permite ao Brasil a aplicação de medidas compensatórias em caso de apelação no vazio por parte do parceiro acusado.
As medidas de defesa comercial elencadas pela OMC, de maneira resumida, podem se traduzir em:
5.1 Tarifa antidumping.
Medida aplicada quando a exportação de produtos é realizada a preços abaixo do valor daquele bem no mercado interno do país em questão. A aplicação destas tarifas exige uma investigação do fluxo comercial entre os países por um período entre três e cinco anos, demandando uma detalhada caracterização da produção interna do país importador, o dano provocado pelas importações a preços de dumping e estabelecimento da relação de causa e efeito entre um evento e o resultado que ele provoca.
Se comprovado o dumping, as tarifas antidumping são aplicadas por um período de cinco anos, prorrogáveis por igual período enquanto houver a possibilidade de dano à produção local caso sejam retiradas as tarifas.
Com atuação da CNA, o Brasil adotou tarifas antidumping contra o leite em pó europeu e neozelandês no ano de 2001. Após investigação iniciada em 1999, que comprovou a exportação de produtos abaixo do valor nos mercados internos daqueles países, foram aplicadas tarifas antidumping de 14,8% e de 3,9% contra os produtos europeu e neozelandês, respectivamente. Essas tarifas foram renovadas por duas vezes, mas em 2019 houve o encerramento do processo e retirada das tarifas.
Em 2024, as elevadas importações de leite oriundo do Mercosul levaram a CNA a conduzir estudos que trouxeram sólidos indícios de exportações de leite em pó abaixo do valor normal ao Brasil. A Confederação apresentou petição para a investigação de dumping junto ao Departamento de Defesa Comercial do Ministério de Desenvolvimento da Indústria, Comércio e Serviços – MDIC. O pleito foi acatado e a abertura ocorreu em dezembro, e deve levar entre 10 e 18 meses até sua conclusão.
5.2 Medidas compensatórias.
São instrumentos que visam corrigir as distorções de mercado causadas pela aplicação de subsídios governamentais à produção, classificados como proibidos. Esses subsídios consistem em contribuição financeira ou sustentação de preço/renda, concedida pelo Estado (ou ente privado exercendo funções estatais) e que confira um benefício ao produtor daquele bem. Importante destacar que não são todos os subsídios que se enquadram como itens acionáveis. Envolve a investigação se a concessão daquele subsídio trouxe dano à indústria doméstica do país importador e o estabelecimento de nexo causal entre as importações e o dano. Se comprovado, são adotadas taxas de importação sobre os produtos.
5.3 Salvaguardas.
São adotadas quando da incidência de um surto inesperado de importações que causa danos à indústria doméstica do país importador. Existem dois tipos, as salvaguardas bilaterais, que podem ou não serem previstas nos acordos comerciais dos países, ou globais, regidas pelo “Acordo Sobre Salvaguardas”, do Acordo de Marraquexe, e são aplicáveis a todas as origens de um bem importado por um país.
São medidas necessariamente temporárias, que também demandam uma investigação prévia e o estabelecimento de uma relação de causa e efeito sobre os prejuízos sofridos. Sua forma de aplicação se dá pela aplicação de sobretaxas ad valorem, alíquotas específicas e/ou cotas de importação. Nem todos os acordos comerciais preveem a aplicação de salvaguardas bilaterais, como é o caso do Mercosul. Portanto, surtos repentinos de importações não podem ser combatidos com essa estratégia no Bloco.
No final de 2024, a China abriu investigação de salvaguarda sobre a carne bovina importada de todos as origens, incluindo o Brasil. A investigação considera o período de 1º de janeiro de 2019 a 30 de junho de 2024, com prazo para conclusão em até 8 meses, podendo ser prorrogado. Se provado que houve dano ao mercado doméstico em função do aumento do volume importado, poderá resultar em tarifas/cotas de importação aos países exportadores.
No entanto, segundo as diretrizes da OMC, é necessário que o país solicitante da salvaguarda demonstre que o aumento das importações é resultado de circunstâncias imprevistas, e não de fatores internos, como ineficiências de produção ou problemas de competitividade. A China é o principal destino das exportações brasileiras de carne bovina, representando 51% do faturamento total em 2024 (Comex), e atualmente, a carne brasileira é tarifada pelo país em 12%.
A CNA está articulando o registro como parte interessada e acompanhará diretamente o processo, contribuindo tecnicamente com as autoridades brasileiras em defesa do produtor nacional.
6. Considerações finais.
O comércio de produtos agropecuários está intrinsecamente ligado a relações diplomáticas eficazes, à abertura de mercados e à celebração de acordos que fortaleçam as relações comerciais. Esse comércio deve estar calcado nos preceitos da segurança alimentar para as populações, à saúde dos rebanhos e de culturas agrícolas, via o reconhecimento da atuação das autoridades sanitárias de cada país.
Para além disso, é fundamental que o comércio ocorra em condições de livre mercado, livres de distorções que culminem em artificialidades nas cotações dos produtos agropecuários. Quando não, as medidas de defesa comercial são fundamentais para proteger as economias internas dos países envolvidos, com vistas a garantir a saudabilidade dos mercados, evitando distorções que possam prejudicar a dinâmica global e a segurança alimentar.
Assim, o desafio é encontrar um fluxo de comércio internacional que promova tanto a cooperação quanto a competitividade, assegurando que o agronegócio continue a prosperar com segurança sanitária em um mercado global cada vez mais integrado. A CNA atua na melhoria dos acordos vigentes e na prospecção de novos mercados estratégicos, com vistas a ampliar o fornecimento de alimentos para o mundo e contribuir com o desenvolvimento do potencial agroambiental brasileiro.

Assunto: Barreiras comerciais na comercialização da produção animal
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